segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Fantástico Borges

Eu, que estou no meu quarto livro desse autor, e o admiro desde o primeiro conto lido, resolvo compartilhar este texto abaixo, que faz uma resenha concisa e brilhante da fenomenal obra do escritor argentino.. Sem mais delongas, eu não me atreveria a reescrevê-la..



Jorge Luis Borges (1899-1986) em vida, já era um clássico. Consagrado como um dos maiores escritores do século 20,  era solicitado para entrevistas, palestras e aulas nas mais prestigiadas universidades do mundo, onde recebia títulos de doutor honoris causa. Entre uma viagem e outra, continuava criando os contos de teor fantástico e intelectual que lhe renderam fama. Fama, aliás, que tratava com uma refinada auto-ironia: “Eu não sei se minha obra merece essa atenção, eu acho que não, acredito que sou uma espécie de superstição, agora, internacional”. O que o interessa é o futuro. Na biblioteca particular, costumava afirmar que não mantinha sequer um livro de sua autoria, e desdenhava da própria relevância como escritor. Só se interessava pelo que ainda iria escrever.
Borges antecipou-se à era da globalização e ao multiculturalismo. Apregoava uma visão cosmopolita e, por diversas vezes nos encontros, situava os argentinos como europeus, ou gregos, no desterro. Queria dizer com isso que as culturas contemporâneas são uma herança do diálogo de tradições que remetem à Grécia e à Roma antigas e às civilizações primevas da Índia e da China. Assim, foi um dos primeiros escritores a divulgar e ser influenciado pela filosofia e pelas religiões orientais, principalmente o budismo, que o levou a crer numa espécie de carma, em oposição ao livre-arbítrio do homem.

Seu método de escrita consistia em ter uma idéia concebida em seu início e fim, para em seguida trabalhar exaustivamente cada palavra, frase e período, ambientando seus personagens, de preferência, em tempos passados, a título de maior liberdade estética.
Suas entrevistas pareciam adquirir a consistência de um ensaio sobre a matriz estética e idealista do universo, a qual Borges conferiu um toque pessoal. A seu modo, falava como quem escrevia um texto, com direito a se corrigir e lapidar conceitos e palavras.

Borges era um idealista, no sentido filosófico do termo. Para ele, a realidade possuía uma essência onírica e, portanto, tinha algo de fantástico. É essa a hipótese trabalhada em seus contos, e que inclusive deixava explícita na produção oral. Por esse motivo também considerava contraditória a literatura realista. Como toda realidade é fantástica, não faz sentido fazer literatura realista, uma vez que literatura e realidade compartilham da mesma natureza.
Coerente com essa posição, Borges também considerava a experiência proporcionada pelos livros tão abrangente quanto as concretas. Se a vida real não passa de fábula, sonho ou literatura, então, ela pode perfeitamente ser vivenciada através dos textos. Diz ele:
(…) eu me lembro do que li mais do que vivi. Mas é claro que uma das coisas mais importantes que podem acontecer a um homem é ter lido essa ou aquela página que o comoveu, uma experiência muito intensa, não menos intensa que outras.
Um escritor que nunca tenha visto o mar, por exemplo, poderia descrevê-lo com mais intensidade que um marinheiro e, deste modo, passar uma experiência mais vívida. Em outras palavras, constrói uma narrativa melhor de mundo, mais convincente (formulação da qual o filósofo neopragmatista Richard Rorty talvez não discordasse). Não por acaso, Borges é um dos escritores mais citados e estudados pelos críticos e filósofos pós-modernos, por conta dessa concepção de fabulação ou estetização de mundo, cujas raízes nietzschianas eram também caras aos pós-estruturalistas.

Ler, para Borges, é um ato voluntário e hedonista. Obrigar alguém a ler, lembra, é o método mais eficiente para fazer com que uma pessoa odeie livros: “Em todo caso, eu não gostaria que meus livros fossem de leitura obrigatória, uma vez que obrigatório e leitura são duas palavras que se contradizem, porque a leitura tem que ser um prazer, e um prazer não tem que ser obrigatório, tem que ser algo que se procura de maneira espontânea, sim.”
Com certa dose de exagero, diz que nunca havia lido um romance do começo ao fim. “Gosto de folhear; isso quer dizer que sempre tive idéia de ser um leitor hedonista, nunca li por sentimento de dever.”  Fez questão de desprender-se de qualquer escola ou contexto sócio-histórico (“A arte e a literatura… teriam que se libertar do tempo.”). Do mesmo modo de Baudelaire, Flaubert e Wilde, dizia que a arte justifica-se a si mesma e não precisa apresentar credenciais a nenhuma chancela de realidade. Shakespeare, Cervantes e Kafka, diz Borges, transcendem sua época por construírem signos descolados do objeto e, por esta razão, abre-se a infinitas interpretações. A capacidade estética era, para ele, algo inerente a todo homem, expresso no sonho, o mais antigo gênero literário. À noite, afirmava, somos todos dramaturgos, encenando narrativas diáfanas.

Dizia que se a própria realidade é de natureza fantástica, também o são as metafísicas e as religiões. A hipótese borgiana vai mais longe, ao propor um deus artista, aos moldes do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (que, ao que tudo indica, não chegou a ler). Certa feita, Borges deu sequência à máxima de Mallarmé, de que tudo que existe acaba em um livro, e de Homero, para quem os deuses provêm aos homens infortúnios, para que tenham o que cantar: “(….) poderíamos supor que tudo acontece não para sofrermos ou desfrutarmos, mas porque tudo possui um valor estético, e com isso teríamos uma nova teologia, baseada na estética”. O deus borgiano é o oposto do Javé colérico que imprime culpa e castigo aos homens.
Haveria, finalmente, um  elo entre religião, estética e ética. Para Borges, a finalidade da religião é prover um norte de conduta ao homem, um propósito de ordem moral. Segundo ele, a ética tem uma origem instintiva (o que significa que qualquer um pode distinguir boas de más ações), mas esta  é aprimorada pela razão. Um ato de bondade é um ato de inteligência e, por conseguinte, o homem culto possui responsabilidades maiores por suas ações. Deus, para Borges, é essa procura racional pelo bem nos homens que, no caminho, encontram resoluções estéticas para compor uma realidade mais suportável e experiências mais sublimes.
Borges, infelizmente, não terminou de revisar sua cosmologia. Como no conto The unending gift (publicado em Elogio da sombra), em que um pintor promete um quadro e morre antes de terminar a obra, deixou um presente mais precioso porque indefinido, na forma de conjecturas.


O autor
O argentino JORGE LUIS BORGES nasceu em Buenos Aires, em 1899. É um dos mais importantes e conhecidos escritores latino-americanos do século 20. Ficou notório pelos seus contos fantásticos, sobretudo os reunidos nas obras Ficções e O Aleph. Iniciou em literatura publicando poesias e também escreveu ensaios. Índices recorrentes nos seus livros, como labirintos,  espelhos, o tempo e a memória fazem parte de sua mitologia pessoal. Depois de ficar cego, em 1955, passou a  compor textos ditando, e a viajar pelo mundo dando palestras. Pouco antes de morrer, casou-se com Maria Kodama, sua secretária particular. Morreu em 1986, em Genebra.

[José Renato Salatiel]

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

CARTA A MEU PAI - Kafka



Demorou muito pra eu encontrar em Franz Kafka aquele maravilhamento característico da arte do bem escrever. E foi numa carta que ele se dirigia ao próprio pai. Ali eu percebi todo o seu gênio de artista digno de aclamação na Literatura Mundial. Ainda que, ao que tudo indica, não se trate de uma obra de ficção. Mas uma carta real com destinatário certo (e embora, eu, particularmente, não acredite que seu pai a tenha lido).
O que ele acabou criando foi algo muito maior.. Uma espécie de tratado de psicologia, com a análise minuciosa dos eventos que se sucederam em sua relação com o pai, mostrando ao mundo como uma educação tirânica e opressora pode ter ressonâncias absurdas durante toda uma vida, ao ponto de moldar o caráter e a personalidade do indivíduo.
Fiquei muito tocado, especialmente porque me identifiquei em diversos momentos.. Eu, que (só) tive a presença (amedrontadora) do meu pai até aproximadamente os meus 9 anos.. A leitura me fez buscar reminiscências de uma relação que não se construiu, e contudo, o que houve foi duramente cruel e perturbador... Na verdade, penso que qualquer um pode se ver assim: refletido em Kafka. Talvez não com as mesmas facetas do relacionamento pai/filho, mas no mínimo, análogas; e com consequências e descaminhos distintos - e que não são nem bem nem mal em si mesmos (mas isso não posso explicar agora). Porque a genialidade encontrada no texto provoca isto: ela te suscita a uma análise retrospectiva de suas experiências, primeiro como filho, depois como adulto, e sujeito independente; mas, possivelmente nunca livre da influência paterna, seja por uma presença esmagadora (como a que teve o autor), seja pela ausência desse singular referencial.. 
Quanto ao meu caso, bem... acho melhor ler o relato de Kafka, pois que muitíssimo me ultrapassa em maestria de descrição e argumentação, e em nível de catarse, dor e angústia provocados.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Cultura da Participação


Como a internet proporcionou tamanha transformação no modo como utilizamos nosso tempo livre? A resposta pode estar em como o aparato tecnológico atual possibilita que, com baixo custo e risco, apliquemos aquilo que sempre tivemos: vontade de usar nossos talentos individuais para criarmos juntos coisas novas. Trata-se de uma revolução no modo como lidamos com a produção cultural. De, mais ou menos, 20 anos pra cá, a forma como a maioria de nós obtemos informação não é mais a mesma.

O autor vai apontar as impressionantes ferramentas criadas de forma compartilhada, e discutir os seus usos; como por exemplo do portal USHAHIDI, por meio do qual, quenianos puderam burlar a censura do governo local e divulgar atos de violência, em tempo real. O livro explica como explorar as oportunidades criadas pela tecnologia, e como fazer de seus recursos algo útil para melhorar o mundo.

Já pensou como poderíamos utilizar o espaço das redes sociais para além do mero entretenimento, manifestando opiniões críticas, criando intervenções sociais, políticas, culturais? Dessa forma poder-se-ia tratar do tempo livre como um bem social...

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

PERGUNTAR COM DISSONÂNCIA..



É sabido que há muitas formas de se combinar a Arte. Uma das combinações mais bem-sucedidas na cultura do  mundo contemporâneo é entre a Literatura e o Cinema, haja vista, inúmeras obras transformadas em filme.  Às vezes o lançamento ocorre quase que simultâneamente em ambas as modalidades, não é?! Mas hoje quero falar de uma interface artística que,  até então, não tinha visto (ou se tinha, faltava-lhe a Excelência e a Beleza capazes de enternecer a este mortal..rs). A Fabulosa Banda do Curinga conseguiu esse feito, ao transportar toda a atmosfera de uma obra literária para dentro do seu disco de estreia. Trata-se do título O Dia do Curinga (de Jostein Gaarder). Com maestria, os músicos reproduzem, em algumas de suas composições a intrigante aventura narrada nesse livro - o segundo melhor romance escrito pelo filósofo norueguês (o primeiro, na minha opinião, é sem dúvida, O Mundo de Sofia). 

Transcrevo abaixo um trecho da primeira faixa do álbum. A quem interessar o site oficial da banda é: http://www.fabulosabandadocuringa.mus.br/site/

"...Vou procurando as saídas
De entradas encontradas mal contadas

E faz muito tempo que navego
E escorrego na certeza de sermos só mais um aqui

Vou descobrir os sabores escondidos
entre flores e cores
Vou descobrir as canções encantadas
por sorrisos contraídos

Quem quer entender o destino
Tem que sobreviver...
Quem quer entender a vida
Tem que se perguntar e a-notar"

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A ÁRVORE DA VIDA (2011)


O fio condutor da trama desta fenomenal obra cinematográfica é um tema de cunho metafísico. A personagem de Sean Penn, já com mais de 35 anos, mergulha numa convulsão de questionamentos sobre a morte de seu irmão, quando este ainda era uma criança - o que acaba por abrir um precedente óbvio: as dúvidas e inquietações sobre a própria vida. Dessas rememorações (que só nos damos conta depois de algum tempo de filme) emergem, no cotidiano deste homem, as perguntas existenciais. Então, na tentativa de respondê-las, segue-se a narrativa, quase que muda, do desenrolar fenomenológico, o princípio de tudo, desde o surgimento do universo, tal como nós minimamente o conhecemos, à origem da vida. Terminada essa parte, acompanhamos o núcleo familiar religioso que protagoniza a história, e todo o processo de criação e educação dos filhos, até o ápice da divisão de pensamentos provocados pelo mais súbito, enigmático e pungente de todos os eventos da vida humana: a morte. 

domingo, 31 de julho de 2011

Everwood


Everwood é um seriado tocante e dramático, com situações que certamente apontam para o pensar filosoficamente. Como no capítulo em que a garota Kate opta por abortar sua gravidez indesejada, mas seu médico Andy recusa em realizar o procedimento, mesmo declarando não ter princípios morais que o influencie. Ele diz: "Com 62 dias de gestação, o feto já adquire perfeita forma humana, mas não é uma pessoa, nem pode viver fora do útero, contudo, tem a perfeita probabilidade de se  tornar uma pessoa. Eu não sei quando a vida começa, mas sei que o aborto extingue a possibilidade dela começar...". A cena nos faz refletir sobre a dificuldade de se posicionar frente a discussão da legalidade e/ou humanidade da prática abortiva tão comum em nossos dias. Em outra cena, a personagem Delia conversa com seu pai sobre pudor. Este, fica encabulado por a filha, de apenas 9 anos, ter olhado uma revista do gênero pornográfico, e principalmente, por ela ter levado isso a público. Ele explica que "as pessoas gostam de olhar essas coisas mas tem vergonha de serem vistas fazendo isso", ao que a menina retruca (em outras palavras): se todos querem ver, todos gostam, e todos sabem que todos veem escondidos, por que as pessoas se repreendem quanto a isso? Deveriam poder fazê-lo abertamente ué!". Não sabendo exatamente a razão desse estranho comportamento social, o adulto argumenta que é por causa da cultura: "fomos condicionados a responder dessa forma a determinados estímulos...". E nós, aqui do outro lado, logo nos pomos a refletir: como se deu o início desse processo? Será que o pudor é algo natural do ser humano?

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Recurso Educativo: o vídeo A História das Coisas


Reflexão e análise filosófico-educativa do vídeo A História da Coisas, pelo Prof. Dr. Marcos Francisco Martins (Filosofia e História da Educação pela Unicamp), - atual professor adjunto nos programas de pós-graduação da Ufscar.